Ana Luiza de Figueiredo Souza

12 de out de 2022

Também é preciso desromantizar a infância

Muito se fala sobre romantização da maternidade e como seria necessário desromantizá-la. Mas existe uma prática ligada à romantização da maternidade que acaba sem receber o devido destaque: a romantização da infância e das crianças.

Crianças são anjos. Seres puros. Representação máxima da ingenuidade e da inocência. Incapazes de machucar alguém. Desprovidas de qualquer maldade. Dádivas divinas. Bênçãos. Essas são construções que permanecem fortes no imaginário coletivo, e que simplificam aquilo que crianças são ou podem ser.

Tais crenças tornam as interações com crianças muito mais pesadas. Nesse sentido, uma mãe que comete algum erro com o filho pequeno estaria errando com um anjinho, com a imagem encarnada da renovação e da pureza. Do mesmo modo, uma mulher que não se sinta confortável em carregar um bebê no colo estaria recusando ter nos braços uma bênção dos céus. E assim por diante.

Crianças não são seres divinos. São pessoas no início de seu desenvolvimento físico, intelectual, psíquico e emocional. Crianças não são meras esponjas do comportamento dos adultos. Têm agência, capacidade de reflexão e de questionamento. Crianças podem machucar, desafiar, manipular e magoar, inclusive de propósito. Bem como podem construir, ajudar, acolher. Crianças sentem raiva, ciúme, repulsa e podem reproduzir preconceitos.

Achar que crianças são desprovidas de todo e qualquer sentimento ou intenção negativa, em si, já é uma idealização. Isso só não acontece nas mesmas bases dos adultos, já que elas não apenas processam e expressam essas emoções e pensamentos de forma diferente como também não têm total dimensão do que seus atos implicam.

Enxergar crianças de forma menos idealizada ajuda tanto a cuidarmos melhor delas quanto a tornar a rotina de quem se ocupa dos cuidados com elas mais leve e saudável. Afinal, crianças e seus cuidadores são gente.

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Confira aqui o post sobre as causas e efeitos da misoginia em formato compacto.

Essa e outras temáticas são melhor exploradas no livro Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais.

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