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  • Foto do escritorAna Luiza de Figueiredo Souza

Cinco reflexões trazidas por "A Filha Perdida", segundo uma pesquisadora de maternidade

Atualizado: 2 de jul. de 2022

Não é segredo que gosto da literatura de Elena Ferrante e que retratos mais complexos sobre a vivência feminina fazem parte dos livros que leio desde nova. Por isso, não poderia deixar de conferir o mais recente filme que adapta um de seus romances, A Filha Perdida.


Queridinho do momento, levanta debates e relatos interessantes mundo afora. Como alguém que estuda temáticas maternas e vivências femininas, acredito que a ficção traz boas oportunidades para dividirmos observações de pesquisa com mais pessoas. A pedidos, compartilho aqui (e também acolá) algumas reflexões que enxerguei a partir do filme.


1) Sutilezas literárias são difíceis de transmitir no formato audiovisual.


Algumas resenhas consideraram o filme opaco perto do livro, e eu entendo de onde vem essa impressão. Parte da graça da escrita de Elena Ferrante é como suas narradoras-personagens descrevem (geralmente com acidez) as situações e sentimentos vividos.


O filme utiliza algumas imagens para transmitir a angústia de Leda, mas, nas lembranças do passado, o modo como reage parece brusco. Falta a cadência com o que o livro constrói o íntimo da personagem que guia a narrativa. Também faltam detalhes que dão maior sentido a algumas situações mostradas. Ainda assim, é uma boa adaptação.


2) A vivência materna é constituída de passado, presente e futuro.


A complicada relação de Leda com sua mãe repercute na conflituosa relação que tem com a maternidade e, por consequência, com suas filhas.


Em ambos os cenários, as projeções de futuro tanto assombram quanto atiçam a protagonista. Diante de Nina e Elena, ora tenta reparar fissuras em sua própria trajetória, ora busca criar algum tipo de atrito na relação mãe e filha que ela passa a acompanhar.


3) Existe atrito e apoio entre mães.


As disputas acontecem de forma sutil ou escancarada, por diferentes motivos, enquanto extensão da rivalidade feminina desde cedo estimulada entre mulheres. Ressentimento, comparações, raiva, represálias. Tudo isso está presente na interação entre mães.


Do mesmo modo, também existe compreensão, generosidade e empatia pelos obstáculos enfrentados no convívio com os filhos. Ainda que, algumas vezes, isso acarrete em projeções que não correspondem à experiência daquela outra mãe.


4) Vontade de fuga VS Possibilidade de fuga.


Nesses anos de pesquisa, encontrei número considerável de mães que relatam a “vontade de fugir” que sentem ou sentiram em relação à maternidade, à rotina exigida pela maternagem. No entanto, as mães que efetivamente conseguem escapar das obrigações maternas — ou pelo menos ter um respiro da maioria delas — estão longe de ser maioria. O desejo de fuga — de alívio, de descanso — poucas vezes se concretiza em um escape (literal), pausa ou folga.


Depois de virarem pais, homens têm licença social para se dedicarem da mesma maneira a projetos que não sejam a paternidade. Também podem deixar os filhos com as mães enquanto seguem suas paixões ou “arejam a cabeça”. Isso não acontece com mulheres. Antes mesmo de se tornarem mães, a ideia de que precisam aguentar tudo em função da família é muito forte.


5) A parentalidade é complexa. Sobretudo para mulheres.


Criar filhos envolve muitos fatores, desde materiais até psíquicos. No caso das mulheres, isso se mistura à expectativa social de resignação e de dedicação afetuosa a toda e qualquer necessidade de terceiros.


Se, por um lado, algum nível de altruísmo e até de abdicação é necessário na maternagem dos filhos, renunciar constantemente aos próprios desejos e necessidades pode causar danos, até a esses filhos.


Uma personagem feminina que encarna atitudes toleradas para homens, mas que são repudiadas quando feitas por mulheres, pode gerar boas conversas.


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Confira aqui o post sobre as reflexões em torno do filme (e do livro) A Filha Perdida em formato compacto.


As temáticas mobilizadas nessa breve resenha são melhor exploradas no livro Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais. Mais conteúdo sobre o livro nesta aba.


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