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  • Foto do escritorAna Luiza de Figueiredo Souza

Cinco fatos que você deveria saber antes de dizer que "futebol feminino é ruim"

Estreia da seleção na Copa do Mundo Feminina da FIFA 2023, com goleada de quatro a zero sobre a seleção do Panamá. Mesmo assim, ainda circulam comentários que tentam diminuir a qualidade do futebol jogado pelas mulheres.


Por isso, trago aqui alguns fatos que revelam um breve panorama da dimensão histórica da disparidade de oportunidades oferecidas para meninos/homens e meninas/mulheres no que se relaciona ao maior esporte do planeta.


Fato 1: Décadas de proibição

No Brasil, jogar ou trabalhar com futebol sendo mulher ou mesmo menina foi considerado crime desde 1941 até 1979. Ou seja, 38 anos de proibição determinada por lei, que interromperam o desenvolvimento e o registro do futebol feminino nacional.


Associações de futebol de países como Inglaterra, Alemanha Ocidental, Bélgica, França e Paraguai também impuseram várias restrições às mulheres, que vigoraram entre 1921 e 1997. Enquanto homens podem disputar a Copa do Mundo desde a década de 30, as mulheres tiveram que esperar até a década de 90 para participarem dela.


Fato 2: Detidas por jogar bola

Em 1941, Carlota Alves de Resende, mais conhecida como Carlota, dirigia o Primavera Atlético Clube. Esse era o maior clube de futebol feminino do Rio de Janeiro. No mesmo ano, foi presa sob acusação de "prostituir meninas" e transformar a sede do clube em um "antro de perdição". Ela apenas organizava ligas e campeonatos.


Embora tenha durado apenas 48 horas, a injusta prisão teve efeitos terríveis para o futebol feminino no país. Naquela época, a direção do Primavera organizava um contrato com o empresário argentino Alfonso Docce para uma excursão do clube à Argentina. A prisão de Dona Carlota virou notícia e revelou seus planos para o público. Segundo artigo de Caroline Soares de Almeida e Thaís Rodrigues de Almeida,


O fato é que o futebol já havia sido projetado como um dos elementos nacionais centralizados pelo Estado Novo brasileiro. A profissionalização dos atletas também já era uma realidade. No entanto, em nenhum desses casos, as mulheres estavam incluídas. Para o governo Vargas, o tipo ideal da mulher brasileira, no sentido weberiano do termo, consistia no “belo e frágil sexo” – antagônico aos homens. Nesse sentido, a excursão de futebolistas brasileiras para o exterior foi vista como um afrontamento, uma vez que, ao contrário das “vedetes”, o futebol era um símbolo nacional oficial. Para o princípio moral que regia o pensamento social da época, seria inconcebível que estrangeiros pagassem “os preços que fossem exigidos para ver as pernocas morenas das futebolistas brasileiras” em campo ou, conforme as palavras de Fuzeira, assistissem mulheres “presas a uma mentalidade depressiva e propensa aos exhibicionismos rudes e extravagentes" (Almeida e Almeida, 2020, p. 180).


A repercussão deu força à campanha contra o futebol feminino no Brasil, que culminou na assinatura do Decreto-Lei nº 3.199/1941, publicado em abril daquele mesmo ano. Ele estabeleceu as bases de organização dos esportes no Brasil, com a criação do Conselho Nacional de Desportos (CND). As atividades esportivas que não estivessem de acordo com a "natureza da mulher" estavam proibidas. Inclusive o futebol feminino.


Já na década de 70, Dilma Mendes, ex-meio-campista de Camaçari (BA) considerada pioneira no futebol feminino, perdeu as contas de quantas vezes foi levada à delegacia por "praticar um esporte de homens". Em entrevista concedida para matéria do Correio Baziliense, conta que


Era dureza, você chegar em casa e apanhar de irmãos, apanhar de mãe e no outro dia você estar pronta para voltar a jogar. Era uma coisa de 'você morre hoje e vai renascendo no mesmo dia', porque se você deixa para outro dia, você continua morto. Vi muitas amigas desistirem por conta de um processo que era muito cruel (FRANCE-PRESSE, 2023, sem paginação).


Na mesma matéria, é mencionada a constatação de Aline Pellegrino, coordenadora de competições femininas da CBF, ao jornal espanhol El País, em 2021: "Sem a proibição, o Brasil já teria uma Copa do Mundo ou um ouro olímpico no futebol feminino".


Fato 3: Socialização feminina

Tais leis e restrições se baseavam na ideia de que a prática de esportes desvirtuava as mulheres do caminho voltado para os cuidados do lar e da família. "Prejudicava a capacidade das mulheres de serem mães", segundo trazido por matéria do G1.


Ainda é possível encontrar esse pensamento por aí, junto à ideia de que mulheres "não foram feitas" para ocupar posições no espaço público (conforme discuto no livro "Ser mãe é f*d@!"), inclusive no papel de jogadoras.


Um exemplo disso é a história de Sisleide do Amor Lima, mais conhecida como Sissi. A primeira camisa 10 da seleção canarinho feminina foi consagrada imperatriz do futebol e uma das maiores jogadoras de todos os tempos. A artilheira da Copa de 1999 veio de uma família que não aprovava que jogasse bola. Para conseguir treinar, ela arrancava a cabeça das bonecas para transformá-las em bolas improvisadas. Levou anos até conseguir colocar os pés em uma bola de verdade.


A craque ainda relata que sofreu muito preconceito e discriminação ao longo da carreira, até por parte da mídia e de diretores de clubes de futebol. A própria Marta Vieira da Silva, que assumiu a camisa 10 depois de Sissi e foi eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo, costumava ser insultada e ameaçada quando tentava jogar com os meninos da cidade onde cresceu. Essas histórias se repetem em diferentes gerações.


Para além de problemas estruturais como a pobreza e a necessidade de ajudar no sustento da família, a exclusão das mulheres dos esportes (incluindo o esporte mais acompanhado pelos brasileiros, o futebol) não foi extinta. Ela continua a afastar potenciais craques de uma carreira de sucesso.


Fato 4: Disparidade de salários

Segundo a mais recente lista da Forbes, as 15 jogadoras mais bem pagas da Copa do Mundo Feminina, juntas, não ganham nem 40% do que CR7 faz em um ano.


Federações que não pagam ou atrasam o pagamento de suas jogadoras são comuns. O que inclui jogadoras brasileiras que não receberam salários de seus respectivos clubes ao defenderem a seleção canarinho nos gramados. Algo que, devido à pressão das jogadoras e do público, a CBF vem se articulando para resolver. Inclusive, 2023 marca a edição da Copa em que a seleção feminina finalmente conta com o devido amparo em termos de logística e profissionais envolvidos em sua campanha, algo até então inédito.


No mesmo ano, as jogadoras da seleção estadunidense, apesar de serem tetracampeãs, perderam o processo no qual solicitavam igualdade de salário com a seleção masculina que, ao contrário delas, sequer esteve perto de levantar uma taça.


O prêmio em dinheiro recebido pelas campeãs do mundo também é consideravelmente menor do que o montante que os homens recebem. Tanto que a FIFA vem adotando uma série de medidas para remunerar as jogadoras que participam do maior evento futebolístico do mundo, como forma de amenizar a desigualdade entre elas e os jogadores masculinos.


Fato 5: Mesmo assim, superação

Apesar da desvantagem histórica, da falta de investimento, do preconceito, do desrespeito e do fato de que só passou a haver Copa do Mundo Feminina a partir de 1991, as mulheres conseguiram superar os homens em importantes feitos. Entre os recordes, estão:


Número de gols em Copas do Mundo (Marta Vieira da Silva, 17 gols, por enquanto).


Número de Copas do Mundo disputadas (Miraildes Maciel Mota, Formiga, sete edições).


Maior goleada da história das Copas do Mundo (13 a 0, EUA x Tailândia, 2019).


Vencer a Copa sem levar nenhum gol (Alemanha, 2007).


Para além de quebrar recordes de audiência e de público dos estádios na edição de 2023 tanto na Austrália quanto na Nova Zelândia. Segundo matéria do Globo Esporte,


A partida entre Nova Zelândia e Noruega, que abriu a Copa do Mundo, registrou em território neozelandês a maior audiência de um jogo de futebol em mais de 20 anos - entre homens e mulheres.


Considerações finais

Convenhamos que parte dos jogos de futebol masculino não são exatamente primorosos. Sendo que seus times contam com muito mais apoio, divulgação e investimento do que os times femininos. Mesmo assim, o argumento "futebol masculino é ruim" não aparece.


Quando se trata do futebol feminino, historicamente negligenciado, a acusação de ser "ruim" surge com frequência. O que ignora que, mesmo com adversidades, os resultados das mulheres impressionam.


Enquanto homens, sempre foram estimulados a virarem atletas, mulheres eram afastadas das quadras e até dos estádios.


Isso reflete tanto o privilégio masculino quanto a misoginia. As constantes ofensas ao futebol feminino e a suas jogadoras são maneiras de manter o futebol simbolicamente restrito aos homens.


Mas a verdade é que mulheres fizeram e vão continuar fazendo parte da história do futebol. Vai Brasil! 💚💛💙



----- Gostou desse artigo? Acompanhe o Nota de rodapé para mais discussões. Confira aqui o post sobre reflexões acerca de questões relacionadas à não maternidade e à fertilidade. Essa e outras temáticas são melhor exploradas no livro Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais e na tese de doutorado.

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