A medicalização da maternidade (sobretudo no que se relaciona à gravidez) constitui fenômeno fortemente integrado ao cotidiano social brasileiro, cujas consequências podem ser problemáticas.
Até hoje, a maternidade é recomendada como tratamento para doenças ginecológicas, além de forma de prevenção ao câncer de mama e de útero. Também costuma ser colocada enquanto solução de problemas pessoais, no relacionamento (especialmente entre pessoas casadas) ou mesmo de doenças psicológicas.
A endometriose é um exemplo recorrente. Muitas pessoas naturalizam o discurso de que a gravidez seria uma alternativa de tratamento para ela. Há relatos de mulheres que contam que, ainda adolescentes, ouviram de médicos a recomendação de engravidarem para “resolverem” as dores causadas pela doença.
Segundo esses médicos (e médicas), os hormônios produzidos durante a gravidez, junto à amamentação, aliviariam os sintomas. Muitos, inclusive, afirmam que antigamente as mulheres não sofriam de endometriose por terem gestações consecutivas, o que impedia o aparecimento da doença. Mesmo entre pacientes, é comum a ideia de que, ao engravidarem, conseguirão sentir menos dor e desconforto.
Na esfera íntima, a maternidade vira recomendação para unir casais e manter relacionamentos, além de antídoto para personalidades consideradas indiferentes, falta de jeito com crianças ou comportamentos tanto encarados como “menos femininos” quanto que que divirjam da normatividade materna. Chega a ser indicada em casos de depressão em alguns consultórios. Também não é raro ouvir, nas conversações cotidianas, que um filho daria jeito na “tristeza” ou na “raiva” de uma mulher — o que se torna especialmente ofensivo para aquelas que escolhem vivenciar a não maternidade.
A gravidez é um processo complexo. Envolve riscos, muitas mudanças corporais, psicológicas e na rotina da família, além de implicar um resultado duradouro: uma criança. Criança esta que pode vir com necessidades específicas, em um contexto complicado, entre tantas outras variáveis possíveis.
Colocar crianças no mundo não pode ser tratado como solução para questões de saúde ou de cunho pessoal. A gravidez e/ou a chegada do bebê até podem interferir positivamente nessas esferas. Mas esse não deveria ser o principal motivo para empreender algo tão sério.
Tais práticas, crenças e discursos nos ajudam perceber que a maternidade é tão compulsória e banalizada que faz as pessoas (entre elas, profissionais de saúde) desconsiderarem o conjunto de fatores que a cercam. Uma cultura que precisa ser repensada para que a vivência materna das mulheres possa ser mais funcional, justa e tanto clínica quanto socialmente saudável.
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