A maternidade é complexa. Mistura valorização, cobrança, recompensas, desconsideração, entrega, desafios. "Ser mãe é um ato revolucionário", costumam escrever nas mídias sociais.
À princípio, a resposta (simplista) a essa afirmativa tão compartilhada seria: não.
Ser mãe, especialmente mãe biológica, é o padrão hegemônico. É o referencial identitário feminino dominante. É cumprir a expectativa social que se projeta sobre nós, mulheres, para a qual somos preparadas desde pequenas — fenômeno relacionado à maternidade compulsória.
Porém, essa resposta deixaria de considerar as narrativas de milhares de mulheres com as quais me deparei nos últimos anos, em pesquisas sobre temáticas maternas.
Enquanto muitas contavam que só passaram a ser respeitadas como adultas depois da chegada dos filhos, outras tantas revelavam que, sem eles, não teriam tido força para chegarem onde estão hoje.
Ser mãe fez muitas delas encararem o entorno de forma diferente. Mais sensível, profunda, com maior responsabilidade. “Que mundo quero construir para os meus filhos?”, questionam, ponderando as próprias ações. Passaram, inclusive, a se perceberem diferentes. “Não sabia que seria capaz de lidar com tanta coisa”. “Só consegui aceitar de verdade o meu corpo depois da gravidez”.
Mães de menina que se descobrem feministas. Mães de menino dispostas a enfrentarem o machismo. Mães de crianças negras, indígenas, pardas e amarelas que combatem estruturas racistas. Mães de filhos LGBTQI+ pela diversidade. Mães periféricas, atípicas e adotivas mobilizadas para garantir direitos.
Mães empreendedoras, que fazem da maternidade inspiração nos negócios ou na carreira. Mães que conseguem deixar um relacionamento abusivo pela segurança dos filhos. Mães solo acompanhadas de coragem. Mães pesquisadoras. Mães ambientalistas. Mães na política. Mães artistas. Mães de consideração. Mães que criam redes de apoio entre outras mães.
Diante disso, acredito que ser mãe pode, em determinadas circunstâncias, ser revolucionário, uma vez que guarda potência para revolucionar o modo como essa mulher se relaciona com a esfera pública, o cotidiano e as relações sociais, a família, os papéis de gênero e consigo mesma.
Feliz dia das mães com cada vez mais amparo, consciência, segurança social.
E parabéns àquelas que não trilha(ra)m esse caminho. Sabemos que, por outra rota, também fazem revolução.
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Essa e outras temáticas são melhor exploradas no livro “Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais.
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