Modelos maternos hegemônicos são aqueles pelos quais nos orientamos ao pensar na relação entre mãe e filho, nos tipos de mãe que podem existir e nos tipos de filho que elas podem ter.
Tais modelos colocam a mãe biológica — ou seja, aquela que compartilha seu código genético com o filho — como a mãe autêntica, legítima, a mãe "de verdade".
Tanto que mães que gestaram e pariram suas crianças, mas não têm vínculo maternal com elas — não fazem parte de seu cotidiano nem de sua maternagem —, costumam ser socialmente reconhecidas enquanto mães dessas crianças. Por mais que quem as crie, eduque e ame seja(m) outra(s) pessoa(s) que dificilmente ganha(m) reconhecimento por desempenhar(em) esse papel social.
Essa ideia está tão encrustada no nosso imaginário coletivo que aparece até em dizeres como: "Nasce um filho, nasce uma mãe". Muito repetida nas discussões online sobre a maternidade, tal frase parte do princípio de que a criança já nasce na condição de filho. E nasce a partir da mãe, que se constitui quase ao mesmo tempo que ele.
Contudo, em famílias formadas, por exemplo, a partir da adoção, o filho, em geral, já é nascido. Só depois encontra aquela que vai se transformar em sua mãe. “Não veio de mim, mas nasceu para mim” é expressão comum entre mães adotivas ou do coração. Embora, claro, não possa ser generalizada para a vivência materna de todas elas.
Não à toa tantas mulheres passam anos, às vezes décadas, tentando engravidar ou ter filhos biológicos. Muitas sequer cogitam a adoção como meio de realizar o sonho de virar mãe, por mais que sofram por não conseguirem sucesso em suas tentativas.
Isso acontece porque outras maternidades que não sejam a biológica são vistas como menos completas, menos legítimas, aquilo que se empreende quando nada mais deu certo para gerar filhos biológicos. Vêm daí expressões como “útero murcho” ou “fruta seca”. O que exclui tanto mães adotivas ou do coração quanto filhos adotivos ou do coração dos referenciais e do planejamento familiar de boa parte das pessoas.
Há quem não reconheça filhos adotivos ou do coração (aqui incluídos enteados/as) enquanto filhos de uma mulher. O que resulta em comentários insensíveis e preconceituosos, como:
“Quando vem o filho de verdade?”.
Ele já existe, está ali, faz parte da vida da mãe.
“Tadinha, não deve ter conseguido ter filhos”.
A mãe já conseguiu ter filho(s), só não o(s) teve de forma biológica.
“Eu sei que é você quem cria o/a menino/a, mas não é isso que te faz mãe dele/dela”.
Se ambos/as se reconhecem como mãe e filho/a, então são mãe e filho/a.
Quando a maternidade biológica é assumida como a maternidade “verdadeira”, isso exclui dos parâmetros maternos outros tipos de maternidade, nos quais a mãe não necessariamente compartilha seu código genético com o/a(s) filho/a(s). O que gera sofrimento tanto para tentantes que não conseguem engravidar ou conceber quanto para mães e filhos que não se encaixam nesse modelo dominante.
Quase não se fala em maternidades diferentes do modelo em que o filho carrega a herança genética da mãe. Por isso — apesar de ter havido avanços inclusive no que se refere à parentalidade socioafetiva na área do Direito de Família — existe tanta desinformação e intolerância com modelos maternos que fujam desse molde.
Precisamos normalizar a ideia de que ser mãe vai além do DNA.
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Confira aqui o post sobre como a ideia de que a maternidade biológica seria a mais legítima marginaliza outros modelos maternos em formato compacto.
Essa e outras temáticas são melhor exploradas no livro “Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais.
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