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"Tchutchuca do Centrão" e a misoginia bem-humorada

Foto do escritor: Ana Luiza de Figueiredo SouzaAna Luiza de Figueiredo Souza

Atualizado: 13 de set. de 2022

Pensei em gravar um breve vídeo sobre isso, que posteriormente seria colocado no portal de conteúdo Um minutinho, mas estou sem tempo e sem espírito de receber uma enxurrada de ataques nas mídias sociais.


Nessa campanha eleitoral tão decisiva, em que a própria democracia se encontra em jogo, criticar qualquer crítica ao atual governo que se pretende autocrata pode ser encarado como desvio de rota, desserviço, estar do lado oposto, entre outros enviesamentos. O mesmo se aplica ao já icônico insulto "Tchutchuca do Centrão" proferido contra o líder do poder executivo por um youtuber (de direita) revoltado pelo fato de o presidente não barrar o texto de um projeto aprovado no Congresso.


Minha intenção não é escrever sobre o deboche (ou afronte) dirigido ao presidente, nem me colocar em defesa dele. Pelo contrário. Quero chamar a atenção para um aspecto latente desse deboche/afronte, sobre o qual não encontrei manifestações públicas ou coletivas, mas que algumas seguidoras vieram comentar que também as fez sentir incomodadas. E o detalhe é o seguinte: apesar de serem dois homens discutindo (o youtuber e o presidente) sobre atitudes relacionadas a eles mesmos, "tchutchuca" vem no feminino.


Seria equivocado pensar que essa é a primeira vez que um vocativo feminino ou expressões relacionadas ao feminino são usados para agredir ou criticar homens. "Tchutchuca do Centrão" se junta ao hall de "agora que depende do Centrão, vai ter que abrir as pernas", "putinha do Senado", "cadelinha do Congresso" e outros insultos proferidos contra representantes masculinos que ocupam cargos públicos. Mais uma vez, vocativos femininos ou que remetem à posição que a mulher ocupa no pensamento misógino e patriarcal.


Qual é o problema disso? O problema é que todas essas expressões deveriam usar vocativos masculinos, por tratarem de homens. Principalmente a que motivou este artigo. "Tchutchuca do Centrão" poderia ser facilmente substituída por "tchutchuco do Centrão". O sentido seria o mesmo. Mas a misoginia é mais engraçada. Relacionar um homem à figura de uma mulher o torna mais ridículo, faz do insulto mais risível.


Algo tão naturalizado que quando alguém atenta para esse problema, sobretudo se for uma mulher, é logo taxada como exagerada, sem senso de humor, descabida. A figura feminina é motivo de escárnio por diferentes meios, mesmo quando o deboche se dirige a homens e é feito entre eles.


A maneira acrítica como o "Tchutchuca do Centrão" foi recebido e disseminado entre aqueles, especialmente homens, que se colocam como contrários a práticas misóginas diz muito sobre o quanto a misoginia está enraizada até no nosso senso de humor.


Sigo na busca por construir uma sociedade e uma cultura hegemônicas nas quais a misoginia, enfim, perca a graça. Por aqui, é "tchutchuco do Centrão".


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Gostou desse artigo? Acompanhe o Nota de rodapé para mais discussões.


Confira aqui o post sobre as causas e efeitos da misoginia em formato compacto.


Essa e outras temáticas são melhor exploradas no livro Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais.

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